segunda-feira, 17 de janeiro de 2011
Aqueles turvos olhos azuis
Mais um dia de Sol, mais um desejo inquieto de sair logo da cama e pegar meu calção de banho e, sem demora, ir para o ponto de ônibus. Lá, sem dúvida, já tinha marcado de me encontrar, com Jonas e Clarice, ambos irmãos, às 8:30 da manhã, para curtir a beleza da praia desde cedo. Logo que chego, sou recebido de braços abertos por Jonas e seus olhos doces como a cor e a substância da jabuticaba e, aquela voz titubeante como a espuma do mar; Clarice, por sua vez, trouxe meus lábios para perto dos seus e com suavidade matutina os beijou, além de uma leve mordida sapeca, para, deliciosamente, sentir depois meus lábios massageados pela brisa.
A viagem não era longa e a paisagem praiana com seus coqueiros e dunas, com seus cajueiros e açudes, eram o que todos aguardavam com o pé ainda intacto da cidade; Clarice e eu só sabíamos em parte por onde passávamos, já que precisávamos um da pele do outro, a fim de reconhecer a textura íntima do céu azul; e os olhos nos olhos, a fim de não temer a futura bravura das ondas; as mãos estreitavam-se como as raízes dos cajueiros e mal eu tocava os cachos volumosos de seus cabelos para, com efeito, perder o rumo dos ventos e, por certo, esquecer para que lado o mar avança abrupto. Sua boca era (e como dói lembrar) carnuda como a carne saborosa do coco, refrescante como sua água gelada, além de misteriosa e imprevisível, como sua fibrosa casca, que sempre possui o ponto certo para ser partido...
Nada, portanto, mais prazeroso que chegar à praia e seguir com os olhos a abrangência de sua extensão; e ter a impressão de ser do formato de uma foice cujo brilho e lampejo ficam a critério do mar. Deixamos nossos pertences em um quiosque de nossa confiança e fomos primeiro para as pedras, perto do farol, onde as ondas arrebatam as pedras e onde se pode sentir o respingo vigoroso das águas. Cada beijo oferecido ali vinha pleno de ternura e enriquecido de maresia, pleno de entrega e faminto de mar.
Satisfeitos com tal visão, fomos para o outro lado do mar, prontos para um mergulho. Jonas e Clarice não sabiam nadar muito bem; por outro lado, como eu já tinha alguma experiência, dava dicas perto da margem, principalmente, a maneira certa de bater as pernas e movimentar os braços, sem muito sucesso. O mar, aquela sereia que seduz e abraça, pouco a pouco, era sempre motivo de atenção, no entanto, fomos surpreendidos por uma região mais funda do mar, por um buraco imprevisto, não muito longe da margem, o que provocou imediato desespero de Jonas, que afundava e voltava para a superfície das águas, sem outra ação senão se debater e pedir socorro; Clarice, mais velha que ele, tentava como podia, se manter calma e boiando, mas vi, em seus olhos, preocupação.
O mais rápido que pude, fui até eles e abracei o corpo trêmulo de Jonas, enquanto Clarice se segurava também. Ninguém conhece a corrente do mar desde que esteja em perigo; antes disso, mais parece uma ressonância de nossas emoções, uma maneira de sermos possuídos pelo mar. A situação agora era outra, pois, como estávamos sem altura para pôr os pés no chão, por mais que eu desse fortes braçadas, a corrente sempre nos trazia para aquele terrível ponto inicial. O meu e o nosso desespero aumentava, e não sabíamos o que fazer; minhas forças já se extinguiam até que Clarice viu a certa distância um barco e me pediu que eu fosse até lá, enquanto ela cuidava na medida do possível de Jonas. Sem outra escolha, fiz de meus braços minha sina, fiz de meu coração minha vela enfunada, sem perceber, tal era a ânsia de lá chegar, que quanto mais tentava me aproximar, mais longe de mim o barco ia; só algum tempo depois dei por mim dentro do redemoinho de nossa fatalidade. Olhei, para trás, em busca deles e nada encontrei, nem sinal de suas presenças, nenhuma cicatriz no mar para saber do paradeiro deles. O mar é por certo uma baleia que não regurgita suas vítimas, não faz nada senão ir mais fundo, mais fundo... Sem esperanças, sem voz que fosse maior que o oceano, sem acreditar no que ocorreu, fui para a direção da praia, com as poucas forças que ainda me restavam, sem ter idéia ao certo de quem eram aqueles braços, de quem era aquele corpo que o sal devorava. Exausto, abalado e desorientado, a única coisa que fui capaz de fazer foi cair no chão e respirar ofegante a minha própria tristeza.
Sufocava nas mãos um punhado de areia; rasgava o vento com meu choro; procurava saliva na minha boca seca e tinha mais ferrugem que uma âncora abandonada. Depois de algum tempo, me levantei; só não pude olhar para o mar, nem ouvir suas ondas sem certa repulsa. Como contar a tragédia para meus pais e, principalmente, para Flora, mãe dos dois? Como olhar para aqueles lindos olhos azuis, de agora em diante tão turvos? Fiz o caminho de volta e percebi, num riacho, a queda de um coqueiro sobre suas águas; indefeso, frágil e de uma humanidade difícil de esquecer; era decerto o que viria a ser o meu destino... Até hoje, depois de tanto tempo, lembro do rosto de Flora, triste como o outono, sem nenhuma pétala que dissesse que, uma vez, ali houve Primavera. Desde então, nenhuma estação do ano teve para cada um de nós a sua unidade, nem uma ordenada progressão, pois o nosso destino mistura e confunde tudo.
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