sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Afinal, o que é poesia?




Música não é,

Embora seus sons animem

Qualquer fé.

Pintura não é também,

Embora suas imagens comunguem

Num eterno amém.

Perfume não é sem dúvida,

Embora saiba da rosa úmida.

Para o paladar não é

Logo vejo

Embora haja tempero

Em cada desejo.

Táctil e plena de intimidade

Não é decerto,

Embora sua esfinge seja esculpida

Pelo deserto.

Afinal, o que é poesia?

É sequer um dia em que o mar

Fique sem maresia.




terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Voragens do olhar






A fotografia é a arte de ser mais duradoura que uma pálpebra.








A fotografia é não distinguir o hoje do agora.








A fotografia é o alento de não depender apenas do vento, pois há em tudo algo de denso.








A fotografia é o vôo soberano da águia ou ainda a pulsação feérica de uma borboleta.








A fotografia é o único ponto de vista que jamais se perde de vista.








A fotografia é como pôr, contra luz, uma carta, para que se vislumbre, sem que a rasgue, qual o feitio de suas palavras.








A fotografia é a súbita autoridade da harmonia sobre o caos.







A fotografia é quando mesmo que o Sol se foi; ainda assim o muro da rua preserva o seu calor.


A fotografia é não apenas um jeito de ver o mundo, mas também um jeito como o mundo se vê.


A fotografia é o que se vê num relance e que não morre depois disso.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Aqueles turvos olhos azuis



Mais um dia de Sol, mais um desejo inquieto de sair logo da cama e pegar meu calção de banho e, sem demora, ir para o ponto de ônibus. Lá, sem dúvida, já tinha marcado de me encontrar, com Jonas e Clarice, ambos irmãos, às 8:30 da manhã, para curtir a beleza da praia desde cedo. Logo que chego, sou recebido de braços abertos por Jonas e seus olhos doces como a cor e a substância da jabuticaba e, aquela voz titubeante como a espuma do mar; Clarice, por sua vez, trouxe meus lábios para perto dos seus e com suavidade matutina os beijou, além de uma leve mordida sapeca, para, deliciosamente, sentir depois meus lábios massageados pela brisa.

A viagem não era longa e a paisagem praiana com seus coqueiros e dunas, com seus cajueiros e açudes, eram o que todos aguardavam com o pé ainda intacto da cidade; Clarice e eu só sabíamos em parte por onde passávamos, já que precisávamos um da pele do outro, a fim de reconhecer a textura íntima do céu azul; e os olhos nos olhos, a fim de não temer a futura bravura das ondas; as mãos estreitavam-se como as raízes dos cajueiros e mal eu tocava os cachos volumosos de seus cabelos para, com efeito, perder o rumo dos ventos e, por certo, esquecer para que lado o mar avança abrupto. Sua boca era (e como dói lembrar) carnuda como a carne saborosa do coco, refrescante como sua água gelada, além de misteriosa e imprevisível, como sua fibrosa casca, que sempre possui o ponto certo para ser partido...

Nada, portanto, mais prazeroso que chegar à praia e seguir com os olhos a abrangência de sua extensão; e ter a impressão de ser do formato de uma foice cujo brilho e lampejo ficam a critério do mar. Deixamos nossos pertences em um quiosque de nossa confiança e fomos primeiro para as pedras, perto do farol, onde as ondas arrebatam as pedras e onde se pode sentir o respingo vigoroso das águas. Cada beijo oferecido ali vinha pleno de ternura e enriquecido de maresia, pleno de entrega e faminto de mar.

Satisfeitos com tal visão, fomos para o outro lado do mar, prontos para um mergulho. Jonas e Clarice não sabiam nadar muito bem; por outro lado, como eu já tinha alguma experiência, dava dicas perto da margem, principalmente, a maneira certa de bater as pernas e movimentar os braços, sem muito sucesso. O mar, aquela sereia que seduz e abraça, pouco a pouco, era sempre motivo de atenção, no entanto, fomos surpreendidos por uma região mais funda do mar, por um buraco imprevisto, não muito longe da margem, o que provocou imediato desespero de Jonas, que afundava e voltava para a superfície das águas, sem outra ação senão se debater e pedir socorro; Clarice, mais velha que ele, tentava como podia, se manter calma e boiando, mas vi, em seus olhos, preocupação.

O mais rápido que pude, fui até eles e abracei o corpo trêmulo de Jonas, enquanto Clarice se segurava também. Ninguém conhece a corrente do mar desde que esteja em perigo; antes disso, mais parece uma ressonância de nossas emoções, uma maneira de sermos possuídos pelo mar. A situação agora era outra, pois, como estávamos sem altura para pôr os pés no chão, por mais que eu desse fortes braçadas, a corrente sempre nos trazia para aquele terrível ponto inicial. O meu e o nosso desespero aumentava, e não sabíamos o que fazer; minhas forças já se extinguiam até que Clarice viu a certa distância um barco e me pediu que eu fosse até lá, enquanto ela cuidava na medida do possível de Jonas. Sem outra escolha, fiz de meus braços minha sina, fiz de meu coração minha vela enfunada, sem perceber, tal era a ânsia de lá chegar, que quanto mais tentava me aproximar, mais longe de mim o barco ia; só algum tempo depois dei por mim dentro do redemoinho de nossa fatalidade. Olhei, para trás, em busca deles e nada encontrei, nem sinal de suas presenças, nenhuma cicatriz no mar para saber do paradeiro deles. O mar é por certo uma baleia que não regurgita suas vítimas, não faz nada senão ir mais fundo, mais fundo... Sem esperanças, sem voz que fosse maior que o oceano, sem acreditar no que ocorreu, fui para a direção da praia, com as poucas forças que ainda me restavam, sem ter idéia ao certo de quem eram aqueles braços, de quem era aquele corpo que o sal devorava. Exausto, abalado e desorientado, a única coisa que fui capaz de fazer foi cair no chão e respirar ofegante a minha própria tristeza.

Sufocava nas mãos um punhado de areia; rasgava o vento com meu choro; procurava saliva na minha boca seca e tinha mais ferrugem que uma âncora abandonada. Depois de algum tempo, me levantei; só não pude olhar para o mar, nem ouvir suas ondas sem certa repulsa. Como contar a tragédia para meus pais e, principalmente, para Flora, mãe dos dois? Como olhar para aqueles lindos olhos azuis, de agora em diante tão turvos? Fiz o caminho de volta e percebi, num riacho, a queda de um coqueiro sobre suas águas; indefeso, frágil e de uma humanidade difícil de esquecer; era decerto o que viria a ser o meu destino... Até hoje, depois de tanto tempo, lembro do rosto de Flora, triste como o outono, sem nenhuma pétala que dissesse que, uma vez, ali houve Primavera. Desde então, nenhuma estação do ano teve para cada um de nós a sua unidade, nem uma ordenada progressão, pois o nosso destino mistura e confunde tudo.

domingo, 16 de janeiro de 2011

A correnteza das palavras








O empresário apura o tempo pelos segundos. O sofredor pela longa volta das horas. E o artista não conta nada, mas adora ouvir sinos.


Uma pessoa charmosa é aquela que seduz por sua discrição em não querer ser melhor que os outros; para ela basta um pouco de delicadeza sem promessa de felicidade.


Sinta calor e o crítico dirá que é o Verão. Sinta o mesmo calor e decerto o autocrítico dirá que é febre.


Diga-me com quem andas e te direi que, na verdade, tu andas só.


A afobação inquieta de falar algo interessante descoordena toda a coerência do diálogo.


Primeiro, eu persigo a palavra; depois se não fui feliz em expressá-la, é ela que me persegue.


Às vezes por traz de uma pessoa simpática há uma suave incompetência para si mesmo e terrível para os outros.


Péssima maneira de usufruir a arte: matar uma sede e, ao mesmo tempo, ter o desejo de saber quantos goles deu.


A semente é o primeiro exercício da planta antes de ser flor.


A maturidade é o reconhecimento de ser cego, sem ter medo, contudo, de usar o tato e os ouvidos.


Aquilo que nos pertence, se não tomarmos cuidado, se torna aquilo ao qual pertencemos.


Que prazer cheio de malícia há na fala do homem antes de começar a dança: - Dessa vez, eu conduzo...


Quem já foi capaz de abandonar um filme de cinema, enquanto estava perto do fim, sabe o que é coragem.


Não se enganem: a cartomante lê o rosto antes de ler a palma da mão.


As pessoas não respondem às nossas perguntas; respondem de acordo com a imagem que eles supõem que fazemos delas.


Nenhum pensamento vive intensamente sem a emoção, da mesma forma que quando vamos comer algo, não se mastiga com apenas um lado da boca.


Ser vaidoso é um problema para o comediante, pois raro é aquele que se convence do fato de uma piada não ter dado certo.


Toda fragilidade da mente humana é extensa como um campo com ovelhas; e o mais duro é que há uma raposa branca durante o dia e negra durante a noite.


Qualquer um já teve a ilusão de deter a água do mar num aquário e, assim, acreditar que o oceano será mais calmo.


Quando me pedem para ser crítico, digo que sou poeta. E quando me elogiam de poeta, faço uma singela autocrítica.


Só o farmacêutico é capaz de amenizar as dores do ser humano: é o único que entende tanto a letra do médico como do poeta.


A vaidade embriaga de tal forma que não é raro dar ressaca.


Talvez em todo velório de um grande escritor haja aquele novato que tem o temor de não estar vestido de acordo com o critério do defunto.


Um elogio, muitas vezes, consiste numa farsa que só é dita quando, na verdade, um se acha melhor que o outro. Eu, por via das dúvidas, jamais me auto-elogio.


Somos todos como jornalistas principiantes e esforçados: a nossa fonte é sempre mais segura.


Faça um teste curioso: tente alcançar com o garfo uma azeitona, num pote semi-vazio. Pois bem, é a mesma sensação que temos quando queremos encontrar um político decente...


Até o simples fato de aceitar ou não a correção ortográfica do Word já é uma questão de personalidade.


Às vezes, meu pensamento possui mais carvão do que brasa.


Todo equilibrista detém um segredo: enquanto uma perna o sustém, a outra prepara, no ar, o que será o próximo passo.


O mendigo crê que um dia o gargalo da cachaça ainda há de ser boca de moça.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Alumbramento







O beijo é a única oportunidade de desfazer um sorriso, sem ficar triste.


As mãos, que se tocam, trocam cartas de amor que são seladas a cada novo endereço de comunhão.


O corpo feminino é um alento tão denso quanto o vento do mar, já que é quase um risco fechar os olhos e perder o juízo.


A estrela é um beijo que não se interrompe.


O beijo é a última concessão divina para aqueles que não sabem dançar.


Do Amor, tal como do perfume, sempre aguardamos o cheiro que fica um pouco depois da primeira borrifada.


Sou sem dúvida a tarraxa
Do brinco de uma mulher
Enquanto alguém me escracha
Só ela acredita em meu dever


Foi a partir do momento em que Odisseu se amarrou no mastro que as sereias inventaram o fetiche.


O relacionamento é como uma cidade bem perto das dunas: corre sempre o risco de ser soterrada por causa do longo convívio.


Sete horas no salão de beleza é o que cansa qualquer beleza.


Dizem tanto sobre o Amor à primeira vista, porque esse é o único dos sentidos que consegue exercer as suas funções. Os outros se encontram em curto-circuito.


A linguagem sensual dos enamorados é dita só ao pé do ouvido, para que ganhe o corpo todo aos poucos.


Sem seus beijos, a vida é como um rio cuja foz está seca. Sem seus abraços é nem ao menos reconhecer que ali houve foz. É descobrir um deserto sem sua voz.


Sei muito bem que depois de um grande beijo, toda palavra é vã. Sei, contudo, que toda palavra deixa de ser vã, na falta de um beijo.


O primeiro beijo, entre amantes, é apenas um aquecimento, um ensaio de anseios, uma vertigem de salivas. Os beijos seguintes são como uma ventania de verão ou um pacto sincero entre fogo e ar quando aquele deixou de ser apenas brasa.


A dança aprende da música a fluidez. A música aprende da dança o valor do peso: a capacidade de ser do chão e ser do ar.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Mais vislumbres






A beleza é como um ombro, ninguém dá atenção, no entanto...


O beijo é a liberdade dos lábios, depois de serem libertos pela palavra.


Meu coração nunca sai de sua tranquila rotina, diria até que é meu estômago que pulsa e sofre, em seu lugar.


Saudade: uma palavra que se alonga como o vôo das gaivotas; um sentimento que se condensa como a espuma do mar; ou, por fim, uma onda prestes a receber o frêmito de seu corpo, a abundância de seu sorriso, enquanto nem mar, nem gaivotas conseguem compreender sua exuberância, sem permanecerem com o mesmo eterno ritual.

Densos Vislumbres







As pessoas olham para mim, eu me olho comigo.

Vislumbres







Não consigo, decerto, o feito de compreender toda a extensão do mar, no entanto, basta o seu cheiro, nas minhas narinas, denso como uma dose de uísque, para ter uma melhor dimensão de seu poder.


A imaginação é um vinho que melhora com a conversa e que se apura com a solidão.