sábado, 18 de setembro de 2010

Moore murmura na pedra






A força da escultura consiste, antes de tudo, na capacidade de tragar para dentro de si toda a personalidade de um artista, ou seja, tanto o ímpeto enérgico de um Michelangelo como, por outro lado, a serenidade transbordante de matéria de um Henry Moore. Michelangelo, que serve aqui de contraponto, apresenta Davi dotado de plena energia espiritual; seu olhar fulmina qualquer hesitação que venha em sua direção; e se um dia o Sol estiver em sua última labareda, ainda assim terá a dignidade daquele rosto impassível. Sendo, decerto, o oposto de Moore: o tema indubitável de meu estudo; muito porque seu trabalho prima por outra qualidade, uma vez que se apodera da tradição primitiva, por si só, de gesto intraduzível e atemporal; e assim, com efeito, o que já era de extrema vitalidade, como vemos nas esculturas astecas, ganha contornos e espaços vazios ainda mais ousados.
Mas, para tanto, absorveu a antiga linguagem aos poucos, como um sonâmbulo, que apalpa sem ter muita convicção de substância tão incerta; sendo que, aqui e ali, já vemos um começo de lucidez, uma mão áspera a favor da aspereza da pedra, descobrindo que se a pedra resiste, é porque às vezes tem motivo; e é provavelmente a imaginação surrealista e abstrata, com as quais compartilha alguns interesses, que vão lhe trazer lampejos de uma nova organização do espaço, no começo, por certo, um tanto frágil. Sem dúvida, vamos vê-lo, à princípio, sem compreensão absoluta dos novos métodos, pois se percebe em Moore, aqui, no caso, mais deslumbramento do que confiança; esta, por sinal, só virá com o tempo, com a familiaridade inevitável que a natureza exige. Adquire, decerto, o hábito, meio que por acaso e destino, de colecionar seixos e pedras que são como os ossos da natureza que não receberam carne; e a partir daí reconfigura aquela idéia da mãe-terra reclinada, que sem ser carnal, torna-se, porém, plena de substância; incompleta, por um lado, e, no entanto, nunca tão integra, por outro. As mãos de Moore, a meu ver, demoravam a reconhecer as pedras (trabalhou com diversos tipos delas), pois cada novo material era como um novo beijo indomável; logo que encontrava o próprio eixo de trabalho, contudo, trazia toda a sua sensibilidade para o que havia de subterrâneo nas formas, e o que havia de possibilidade de ser descarnado; mostra que o corpo não se desbasta só por fora, mas, principalmente, por dentro. E os anos lhe trouxeram mais equilíbrio e harmonia, mais apuro no desbaste, levando em conta, por fim, a própria condição da pedra; e assim, cada vez mais, suas mãos tinham mais consciência da força primordial da água e do vento, prontas para o mais ínfimo movimento do cosmo...

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