domingo, 30 de maio de 2010

O que não escapou dos olhos






Acredito que um filme seja sempre a comunhão entre olhos e ouvidos, sem os quais fica difícil qualquer compreensão. No entanto, pelo fato de ter que acompanhar as legendas, perco detalhes importantes da cena, o que me leva, por certo, a dar mais atenção às imagens e, quando necessário, recorrer aos diálogos. É um risco inevitável que me lembra o trabalho do tradutor, que tem como desafio manter o equilíbrio entre ritmo e rimas, enquanto as transmuda para sua língua. O motivo de tais reflexões surge especificamente com o filme “O Processo” de Orson Welles, soberba adaptação do romance de Kafka.
Soberba porque soube recriar a falta de ar que impregna as páginas do livro. E conduz o personagem da escuridão à escuridão, do vazio do trabalho ao vazio do tribunal. Da solidão entre muitos à solidão de estar, sem dúvida, sozinho. Quando vemos uma grande sala iluminada só ouvimos o som de máquinas de escrever que cai como gotas de chuva em terreno árido. Quando vemos os movimentos de K, o corredor é longo, quase interminável, como seu processo... Não há uma Beatriz que lhe salve, nem uma Francesca por quem valha à pena ir para o Inferno. E o que fica na mente, o que crava o dente na carne da alma é a capacidade de Welles e Kafka de compreender que o ser humano conhece a cor do chicote e esquece tantas vezes qual a cor de seus sonhos, pois quanto mais adentramos naquele universo, mais vemos estrelas que se apagam e buracos negros que nos devoram. Só mesmo o adágio de Albioni, que ouvimos no final, serve de contraponto para a Terra Devastada de Welles...

3 comentários:

  1. Vc continua muito descritivo... e subjetivo... me conte algo que eu não sei e que você, por ter estudado e se dedicado ao tema, sabe!

    sorte!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Excelente seu blog, caro Fábio! Textos muito bem escritos, abordando temas que são pra mim também dos mais importantes no campo das Artes e da Cultura. Estou achando tudo muito, muito interessante. Estarei por aqui te visitando com frequência, doravante! Quando tiver um tempo, dê uma passadinha no blog que recentemente criei; é coisa bem simples e despretenciosa, mas que estou tocando com muito carinho. http://lesparoles.wordpress.com/
    Um abraço grande e até breve!
    Jamil

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