


Acredito que um filme seja sempre a comunhão entre olhos e ouvidos, sem os quais fica difícil qualquer compreensão. No entanto, pelo fato de ter que acompanhar as legendas, perco detalhes importantes da cena, o que me leva, por certo, a dar mais atenção às imagens e, quando necessário, recorrer aos diálogos. É um risco inevitável que me lembra o trabalho do tradutor, que tem como desafio manter o equilíbrio entre ritmo e rimas, enquanto as transmuda para sua língua. O motivo de tais reflexões surge especificamente com o filme “O Processo” de Orson Welles, soberba adaptação do romance de Kafka.
Soberba porque soube recriar a falta de ar que impregna as páginas do livro. E conduz o personagem da escuridão à escuridão, do vazio do trabalho ao vazio do tribunal. Da solidão entre muitos à solidão de estar, sem dúvida, sozinho. Quando vemos uma grande sala iluminada só ouvimos o som de máquinas de escrever que cai como gotas de chuva em terreno árido. Quando vemos os movimentos de K, o corredor é longo, quase interminável, como seu processo... Não há uma Beatriz que lhe salve, nem uma Francesca por quem valha à pena ir para o Inferno. E o que fica na mente, o que crava o dente na carne da alma é a capacidade de Welles e Kafka de compreender que o ser humano conhece a cor do chicote e esquece tantas vezes qual a cor de seus sonhos, pois quanto mais adentramos naquele universo, mais vemos estrelas que se apagam e buracos negros que nos devoram. Só mesmo o adágio de Albioni, que ouvimos no final, serve de contraponto para a Terra Devastada de Welles...