segunda-feira, 21 de junho de 2010
O museu é meu mar
Arte de Paul Klee
Não consigo encarar uma exposição como algo tedioso e sim como uma aventura longa e imprevisível, como se fossemos viajantes em alto mar. E sou, por profissão, um porta-voz de tal experiência e, ao mesmo tempo, audiência atenta da espirituosidade dos alunos, pois tudo o que digo vem acompanhado da inquieta sensibilidade que recebo deles. Então quando já estamos dentro da exposição e digo um pouco sobre a suavidade do mármore, sobre sua delicadeza, me dizem que parece chocolate branco. Ou então, quando digo que não se pode tocar nas obras, vejo aquele olhar demorado que possuem, como se a tocassem com as mãos. Se digo que o bronze tem o som de um sino, me dizem que não vão faltar à próxima missa. Se digo para darem a volta na escultura, escuto por um deles, que assim vai perder o mais importante: o modo como a escultura olha. Se digo que uma das peças, em mármore, parece sabonete, de tão lisa, alguns chegam mais perto para sentir seu perfume. Se digo que nas mãos de Maria, vemos o menino Jesus, então uma das crianças fala que nem ninho de pássaro é tão confortável. Posso, às vezes, até ir à frente deles e perceber depois que, um ou outro, ainda quer permanecer junto da escultura anterior. Mais de uma vez, me perguntam o motivo de um sorriso não durar tanto tempo, já o dá escultura... No entanto, não sei o que responder. Além disso, mal posso pular algumas esculturas que sou repreendido por alunos atentos. Uma vez, mostrava uma peça chamada "Ritmo" e ouvi, de repente, um assovio melodioso e sibilante. Perguntei qual era o motivo e ele, de olhar vivo, disse: - Sem a música que faço, como posso entendê-la?
Assim, depois que todos vão embora e não há nada, a não ser aquele profundo silêncio que se escuta após o último acorde de um cello, fico decerto de língua seca e cansado, mas grato por tudo aquilo que pude sentir. Percebo, então, que o museu transforma a lousa da escola em grande e arejada janela.
domingo, 6 de junho de 2010
No ardor dos braços
Foi devido ao Grupo Corpo e seu espetáculo chamado Lecuona que o Cupido sussurrou tal título. Quem já teve nos braços um corpo feminino, talvez saiba do ardor envolvido, só não sabe o quão prolongado pode ser e é a dança a única capaz de trazer a fragilidade da pele para a firmeza dos braços com tanta intensidade. Sem ela, seria impossível penetrar na vivacidade do Amor, uma nuca seria apenas parte estrutural do corpo, e não a promessa de felicidade que se persegue até o fim da música com as mãos... Se uma mulher me agarrasse tal como vemos nesta canção de Ernesto Lecuona, eu entenderia melhor o sentido de existir uma flor como a dama da noite. Se girasse ao meu redor, enquanto roça as suas saias, entenderia melhor os anéis de Saturno.
Lecuona é uma dança para aqueles que não sabem dançar, como eu, mas que admiram a vitalidade de uma coreografia, que reconhecem a sensualidade delicada que o corpo possui. Não há um movimento que não tenha a maturidade de um bom vinho, não há um olhar que não seja todo carícia. E o Amor aprende com tal simplicidade, pois o casal de dançarinos procura no corpo do outro os vãos que pedem para ser preenchidos. E a distância que, às vezes, se abre, entre um e outro, nunca cria abismos, é apenas uma breve oportunidade de perceber melhor o outro, de ouvir naquele estreito espaço a força das cataratas, o vigor carnal de dois corpos que dançam...
Mais do que apenas ler as páginas do corpo, o coreógrafo Rodrigo Pederneiras grifa as passagens mais saborosas, e confere à coreografia uma doce beleza. Nada é, ao mesmo tempo, tão vívido e tão cheio de energia; só mesmo o beijo de dois apaixonados traz tanto frêmito e tanta sede de viver. Depois de ver um vídeo, como este, no You Tube, talvez a vida volte ao normal, o que não volta ao normal é o Amor...
Assinar:
Postagens (Atom)