terça-feira, 13 de abril de 2010
O lirismo de Miró
De todas as formas de arte, a pintura permanece como uma das mais delicadas de se dizer algo. E a dedicação de todo o crítico consiste em ser útil sem prejudicar a contemplação da obra. Nossa missão é ser como a trilha sonora de um filme que intensifica aquilo que vemos, e nos faz mesclados como um amálgama à vivacidade da obra. Por coincidência, meu objeto de estudo tem grande afinidade com a música; seu nome é Joan Miró e, decerto, tudo o que será dito procura trazer pontos cruciais de seu trabalho.
Como ponto de partida, escolho “A fazenda” de 1922, mais, talvez, pelo fato de sugerir alguns temas que lhe são caros como o amplo céu noturno, a forma insinuante dos elementos, além de suas disposições espaciais. Com efeito, percebemos também o diáfano desejo de determinar o espaço através da perspectiva; sem deixar de notar que falta, por certo, o toque de espontaneidade característico de Miró. Árduo caminho terá pela frente, já que Miró não consegue, a princípio, pintar sem algum detalhe peculiar da realidade. Inova, em trabalhos subseqüentes, o modo de encontrar correspondências entre os objetos, porém há algo de duro e rígido em sua concepção. Ora se utiliza das linhas que circunscrevem o espaço, ora as elimina com o intuito de apreender a liberdade um tanto fluída das formas - sem estar muito convicto dos próprios resultados.
Até que através de um quadro chamado “Pintura” já vemos, em parte, o dom de Miró quanto à economia de meios para tocar a alma. Basta a fragilidade hesitante de três traços e a volúpia sinuosa de uma mancha vermelha bem definida, além de uma pequena esfera no alto, para que Miró suscite em nós sua força plástica. Descoberta tal forma de se expressar, ainda vai demorar um tempo até que seja capaz de articular um maior número de elementos que não deixem de lado toda aquela diversidade de coisas e seres presentes em seu vocabulário inicial.
Eis então que em 1941, Miró conclui a obra “O belo pássaro decifrando o desconhecido a um casal de amantes”, já com pleno domínio da sensualidade da linha, que, pouco a pouco, nos conduz sobre um fundo que reverbera de êxtase e, decerto, não seria justo nos esquecermos das pequenas formas arredondadas e negras que dão às figuras uma leveza inefável. Desse modo, Miró adquire um estilo mais musical e pleno de energia. E, daí em diante, quero enfatizar apenas uma diferença nos trabalhos vindouros: assim como é mestre da musicalidade das formas, também se torna mestre das pausas e silêncios que toda a música possui. E acredito, sem dúvida, que sua arte, mais e mais, abrigará dentro de si a serenidade da natureza e seu inexorável mistério. Espero, assim, ter tocado em alguns pontos fundamentais do trabalho desse grande artista.
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Adorei o que você disse sobre o papel do crítico, que fomenta o que a obra já tem de bom, sem prejudicar a sua leitura. E a musicalidade de Miró... me remete a outras tantas músicas pintadasm como a de Kandinsky! Muito legal esse texto, Fábio!
ResponderExcluirAdorei a sua análise junto as obras do Miró, confesso que sempre vi um certo mistério em seus trabalhos, talvez uma forma de nos instigar a pesquisar sua verdadeira forma de fazer arte, uma forma de leitura mais intimista quem sabe. Parabéns pela pesquisa. Um abraço.
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