segunda-feira, 29 de junho de 2009

Ao encontro da luz




Em Portrait of an Artist, um documentário sobre Frank L. Wright, percebemos a tamanha consciência do arquiteto em relação às possibilidades que um terreno permite, indo muitas vezes além dos prováveis limites. Desde o começo da carreira, é autor de projetos que, mesmo sem ser ousados, tais como veremos, são ao menos de um despojamento louvável.
Wright impressiona por sua inventividade que abrange não só casas, prédios, museus e jardins como também móveis, vitrais, relevos esculpidos e até brinquedos. Tal profusão de atividades é de vigor extremo, uma vez que compreende o valor de cada coisa sem nunca deixar de lado a harmonia do conjunto. Se alguns teóricos chamam a atenção da cultura japonesa como influência, podemos dizer que a natureza que circunda as casas de Wright não é tão serena como um jardim japonês. A meu ver, o arquiteto extrai da assimetria das árvores e solo, ponto de partida para a riqueza plástica de suas casas; linhas que avançam e recuam, o uso de pedras como estrutura e parte da superfície material da casa, tudo isso nos leva a entender melhor o motivo de sua arquitetura ser chamada de orgânica.
Nunca se viu tal como aquela famosa casa sobre a cascata algo tão integrado a natureza, mas Wright não é só mestre de exteriores. Suas casas vistas por dentro são acolhedoras, espaçosas e de luz diáfana. O motivo é a lúcida compreensão da casa como um corpo que deve sentir-se bem por dentro e se movimentar com graça e elegância por fora. Agora, o fato de a luz ser diáfana deve-se ao modo de às vezes ele trabalhar esse vidro com formas abstratas e cores suaves; não contam histórias como os vitrais de catedrais, mas enriquecem a atmosfera da casa.
Com o passar do tempo as curvas começaram a viver em suas formas; basta pensar na casa de 5.000 dólares que fez, até chegarmos a projetos de maior porte como o museu Guggenheim. Se naquela pequena casa vemos a simplicidade com que usa a curva, já no museu somos seduzidos por sua espiral que contagia tanto como o bolero de Ravel...
F. L. Wright a cada novo trabalho reagia à condição específica do local para assim realizar seus projetos. Vendo seus trabalhos penso naquela poesia de João Cabral de Melo Neto sobre Paul Klee: “Sem medo, lavava as mãos/ do que até então vinha sendo”. Só que para tanto, em vez de sair à noite, F. L. Wright gostava mesmo era de sair à luz do dia.

terça-feira, 16 de junho de 2009

A voz que também é para os olhos




Maria Callas é ótima para se ouvir em cd, até que a ouvimos no You Tube, e aí parece que sua voz ganha outra amplitude e densidade. O que já era uma voz de rico cromatismo, agora se torna palpável de uma forma ainda mais intensa, pois voz e corpo sugerem uma doçura e dramaticidade que vai além da mera rotina. Somos então transportados e guiados por esta linda mulher; pelo que ouvimos batemos asas, e pelo que vemos mantemos a altura sem precisar de algum movimento. Callas responde à própria voz com gestos de extrema vivacidade, e o curioso é que o sentimento é tão forte que quando a música chega ao fim, ela ainda demora certo tempo para voltar da viagem que acabou de fazer. Escutá-la é perceber como modula a voz suavemente sempre encontrando a melhor afinação para o que pretende. Deve ter sido maravilhoso para quem viu Maria Callas, vestida de vermelho e porte altivo, na fronteira entre o mundo e o palco, a ponto de conferir vida a cada nota... Depois de vê-la em algum vídeo, você leitor, nunca mais a ouvirá sem uma doce memória visual.